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Ciência e Arte: Interfaces e Fronteiras
Angela Ancora da Luz e Paulo Emílio Valadão de Miranda
A arte é uma manifestação única do ser humano, que carrega as suas emoções e expressa os seus sentimentos, tendo surgido, provavelmente, há mais de 60.000 anos como um meio de comunicação que parecia estabelecer uma ligação entre os mundos natural e metafísico. Bem mais recente, a ciência teve suas bases constituídas através da filosofia na Grécia Antiga, se estabeleceu de forma inexorável há cerca de 200 anos e atualmente experimenta avanço tão acelerado, que transforma rápida e progressivamente em realidade o que ainda há pouco parecia ficção.
Carregados de intuição, expressividade, emoção, análises racionais e com apoio frequente do acaso, artistas e cientistas revelam a maravilha do universo e expõem o nosso posicionamento nele. São as regiões de fronteira e as interfaces comuns entre a ciência e a arte que esta exposição busca explorar. Isso é feito com a consciência de que a ciência se baseia em hipóteses com objetivos específicos a serem comprovados e busca explicações e justificativas para os fenômenos naturais. E também que a arte é autossuficiente e encerra nela própria a sua finalidade, sem outros propósitos específicos, não oferecendo explicação alguma para a beleza que expõe, já que ela existe meramente na mente de quem a contempla.
Para exemplificar as fronteiras e interfaces entre ciência e arte, a exposição foi concebida como uma homenagem a um expressivo artista brasileiro, explorando uma dentre as suas obras-tipo, e o detalhamento da abordagem científica de materiais usados naquela obra.
O nome do escultor Maurício Salgueiro emergiu naturalmente neste cenário, pois o “quase engenheiro”, artista conceitual com formação acadêmica de alto nível, professor titular da Escola de Belas Artes da UFRJ e profundo conhecedor do carnaval carioca, explorou durante a sua vida profissional muitas das interfaces existentes entre arte e ciência com sua profícua produção artística de base tecnológica. Desta, pinçamos a “Taça das Bolinhas”, constituída por um princípio de retícula espacial, em que 156 esferas se distribuem em 13 níveis, alinhadas por hastes que sustentam a trama cuja estrutura desenha visualmente uma taça. Curiosamente, parte das bolinhas constitui arranjo análogo ao de planos atômicos densos de metais que se cristalizam com estrutura cúbica de faces centradas, tal como o ouro da bola central da taça ou a austenita do aço.
A análise científica de materiais constituintes de uma réplica da Taça das Bolinhas expõe, através da metalografia, imagens da ciência mostrando um mundo artístico único, que imerge o observador numa experiência variada de natureza que está além da percepção normal. Desta forma, a ciência mostra que a natureza é inerentemente simétrica, ordenada e, na realidade, simples na sua complexidade, enquanto a arte extravasa toda a sua beleza.
Seriam ciência e arte elementos de uma combinação efetiva para o estímulo à inovação?
Angela Ancora da Luz – Curadora Artística
Paulo Emílio Valadão de Miranda – Curador Científico