- Textos
Duchamp e Salgueiro
Frederico Morais – A Poética da Máquina
(...) “O que haveria de comum entre a máquina anamórfica de Salgueiro e o Grande Vidro de Duchamp? Sem dúvida, alguns aspectos parecem convergentes. Em primeiro lugar, a própria idéia da obra de arte como máquina: metafórica em Duchamp, real em Salgueiro, mas também ela produtora de metáforas. A seguir a existência de pares de significado.
A simetria vertical em Duchamp: na parte superior, domínio da noiva, na parte inferior, domínio dos celibatários. Simetria horizontal em Salgueiro: de um lado Venus, de outro Apolo. O caráter especular do vidro e do aço. A irrealização amorosa de Marcel e Suzanne e a intocabilidade de Apolo e Venus etc.
Mas isto que parece aproximar as respectivas obras,
também as distancia. Como quase toda obra de Duchamp, "La mariée …" é ascética, assexuada, excessivamente intelectual. Um quebra-cabeça, um enigma a ser decifrado. O erotismo percorre as diferentes etapas da obra realizada por Salgueiro, inclusive na forma de analogias e sensualizações mecânicas. "Lâminas" exacerba o erotismo ao transformar as ondulações laminares em sinuosidades corpóreas e ao permitir que o espectador participe do jogo, deixando que sua imagem se reproduza na superfície espelhada do aço, confundindo-se com o perfil grafitado dos deuses gregos.” (...)
Frederico Morais