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Um Mundo de Sons e Movimentos
Vanessa Escobar – A Cigarra, junho, 1970
No princípio do ano, um grupo de artistas brasileiros realizou uma exposição de esculturas ao ar livre. Local: Praça Roosevelt, São Paulo. Era a primeira vez que se fazia essa experiência. Há tempos, no Aterro do Flamengo, houve uma tentativa de mostrar arte ao povo. Mas a ideia não fugiu muito aos esquemas antigos. O ambiente era fechado, e havia hora marcada para ver as obras.
 
Dessa vez, a ideia partiu da Secretaria de Turismo e dela participaram escultores como Mário Cravo Jr., Lourdes Cedran, Felícia Leiner, Caciporé Torres e Mauricio Salgueiro. Trabalhando materiais diversos, como o ferro, o aço, o alumínio, o plástico, o cimento e o gesso, as esculturas tinham de 2 a 4 metros de altura e pesavam de 200 a 500 quilos. As mais recentes propostas da arte contemporânea
 
estavam presentes, desde as grandes estruturas pintadas de uma só cor (minimal art) até a inclusão do som e do movimento.
 
E, dentro dessa última tendência, estava a escultura Lâmina Sonora, de 3 metros. Uma placa de aço que vibrava e emitia sons de chicotadas quando se apertava um interruptor de eletricidade. Seu custo: 5.000 cruzeiros. O autor: Mauricio Salgueiro.
 
Reações das mais diversas mostraram o interesse do nosso povo pelas novas formas de arte. Havia gente que parava e fazia questão de apertar o botãozinho. Outros, mais curiosos, perguntavam: Pra que serve isto? Mas a crítica mais sutil foi a do senhor de meia idade:
 
- Isto aqui é igualzinho ao juízo de quem fez.
Foi em 1964, quando Maurício Salgueiro voltou da Europa, que começou a usar o som na escultura, os críticos não entenderam e disseram que ele tinha enlouquecido.
Passados alguns anos, a experiência foi se firmando e hoje existe um grande número de artistas utilizando o som. Tanto assim que a coisa está ficando até corriqueira. Mas isso não aconteceu por acaso. Foi o resultado de uma longa pesquisa e de um contato pessoal com a arte contemporânea na Europa.
Admirador da música eletrônica Maurício Salgueiro explica que todo material ao ser trabalhado emite um som. Mesmo antes dos materiais se tomarem sucata, na sua origem, eles têm um som.
Também em matéria de som, ele é um apaixonado por ruídos e cidades. Sua série de esculturas, denominada Urbis, é toda dirigida para os ruídos e para a importância que eles têm para os indivíduos em sua formação. Postes imensos, de onde saem fios, ferros retorcidos, sinais de tráfego, campainhas, sirenes, luzes coloridas, tudo reunido numa intenção de barulho. Numa outra escultura, há pequenos retratos de senhoras com expressões curiosas, que segundo o autor indicam a nossa tradição ibérica do cochicho, da fofoca e da maledicência. Mas ele faz questão de frisar que não há nisso um sentido crítico, mas sim muito mais de registro e de análise. Na verdade, ele encontrou uma solução plástica para uma realidade que necessitava de som.
No seu ateliê, no Cosme Velho, os trabalhos estão dispostos pelas salas e, através dos fios, ecoam conversas de pessoas que passam na rua. Ainda este ano os cariocas poderão ver o produto de sua pesquisa atual, que gira toda em função
da luz, do movimento, do reflexo e do brilho.
Nascido em Vitória, ele gostava, em criança, de brincar com tábuas, pregos e martelos. Com dois anos veio morar no Rio, mas continua ligado ao Espírito Santo, onde toda semana vai dar aula na Escola de Belas-Artes. Sai daqui toda quinta-feira à noite e chega quase na hora da aula começar, sexta-feira cedinho. Sábado à noite está voltando e, por causa dessa maratona – de 12 anos, é considerado o recordista de viagem de ônibus.
Vanessa Escobar
© Mauricio Salgueiro 2022
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